Por Flávio Alves Pereira
A pretexto de salvar empregos e empresas, o governo
federal editou a MP 936 de 1º de abril de 2020,
sepultando de vez qualquer possibilidade da
manutenção dos vínculos de solidariedade que
surgiram a partir do isolamento social recomendado
pelo Ministério da Saúde e determinado pelos
governos estaduais e municipais. Vai, assim, contra
aquilo que o papa Francisco nos disse na recente
benção Urbi et Orbi, lembrando a todos que a
pandemia da Covid-19 nos fazia perceber “que não
podemos continuar na estrada cada qual por conta
própria, mas só o conseguiremos juntos”.
Nem adianta lembrar aqui a triste insistência do
governo em abater a participação dos sindicatos de
trabalhadores das negociações com as empresas,
apesar da clareza do comando constitucional que
impede a redução dos salários, salvo o disposto em
convenção ou acordo coletivo de trabalho (artigo 7º,
VI). Isso demonstra a evidente tentativa de evitar a
solidariedade de classe. Trabalhador sozinho a nada
resiste, daí a necessidade de se juntar em um
coletivo, ou seja, o sindicato, conforme também está
na nossa Lei Maior (artigo 8º).
A nova MP 936 ainda traz outro efeito perverso ao
possibilitar a redução salarial de 18% a 57%,
dependendo da faixa salarial de cada trabalhador, na
hipótese da redução de jornada, ou mais, no caso da
suspensão do contrato de trabalho, inviabilizando
que o trabalhador possa manter a cadeia de
contratos, obrigações e solidariedade por ele
contraída ou mantida.
Nos últimos dias, vimos nos jornais, rádios e
televisões diversos exemplos de solidariedade.
Empresas grandes e pequenas e, principalmente,
pessoas comuns, na sua maioria trabalhadores,
criaram correntes de solidariedade para auxiliar
idosos, moradores de rua, trabalhadores informais,
diaristas e professores particulares, por meio de
doações em espécie, de produtos de higiene e
alimentos ou mantendo o pagamento por serviços que
não seriam prestados, garantindo a sobrevivência de
uma parte razoável da sociedade.
Na medida em que a nova legislação, a pretexto de
manter o emprego, joga para baixo a remuneração dos
trabalhadores, garantindo apenas um valor mínimo
previsto para o seguro-desemprego, toda essa
corrente solidária vai se romper ou, no mínimo,
enfraquecer. Cumpre lembrar que o seguro-desemprego
é um benefício típico para um período normal da
economia, quando o trabalhador tem mais
possibilidade de obter um novo emprego, o que,
agora, não é viável, razão pela qual o remédio
prescrito não funciona ou funciona mal.
Cabe agora ao Congresso, destinatário legítimo da
vontade dos brasileiros, aumentar o auxílio do
Governo Federal nessa hora difícil da nação, a
exemplo do outros países centrais do capitalismo
mundial. A hora é de garantir os empregos e um
salário digno para todos os trabalhadores, para que
eles, por sua vez, possam também exprimir esse
sentimento solidário e fraterno que sempre
caracterizou o povo brasileiro.
Flávio Alves Pereira é juiz titular da 69ª Vara
do Trabalho do Rio de Janeiro e presidente da
Amatra1.
Fonte: Consultor Jurídico